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Foto: Luna literária |
Todo dia a mesma
noite
a história não contada da boate Kiss
Daniela Arbex
248
páginas
Não-ficção
Intrínseca
Daniela Arbex reafirma seu lugar como uma das jornalistas mais relevantes do país, veterana em reportagens de fôlego - premiada por duas vezes com o prêmio Jabuti - ao reconstituir de maneira sensível e inédita os eventos da madrugada de 27 de janeiro de 2013, quando a cidade de Santa Maria perdeu de uma só vez 242 vidas.
Foram necessárias centenas de horas dos depoimentos de sobreviventes, familiares das vítimas, equipes de resgate e profissionais da área da saúde - ouvidos pela primeira vez neste livro -, para sentir e entender a verdadeira dimensão de uma tragédia sobre a qual já se pensava saber quase tudo. A autora construiu um memorial contra o esquecimento dessa noite tenebrosa, que nos transporta até o momento em que as pessoas se amontoaram nos banheiros da Kiss em busca de ar, ao ginásio onde pais foram buscar seus filhos mortos, aos hospitais onde se tentava desesperadamente salvar as vidas que se esvaíam. Foi também em busca dos que continuam vivos, dos dias seguintes, das consequências de descuidos banalizados por empresários, políticos e cidadãos.
A leitura de "Todo dia a mesma noite" é uma dolorosa e necessária tomada de consciência, um despertar de empatia pelos jovens que tiveram seus futuros barbaramente arrancados. Enxergá-los vividamente no livro é um exercício que afasta qualquer apaziguamento que possamos sentir em relação ao crime, ainda impune.
Era 27 de janeiro de 2013. A imagem de um grupo de homens
quebrando a parede de uma danceteria começava a ocupar todos os telejornais.
Aquela seria uma das cenas mais marcantes divulgadas do incêndio da Boate Kiss
em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Naquela noite uma festa universitária acontecia no local.
Ingressos baratos, lugar conhecido e muitos jovens a procura de diversão.
Durante o show de um grupo musical, a apresentação com artifícios pirotécnicos
dá início ao incêndio. As chamas tomam o teto rapidamente. A energia do prédio
cai. O sistema de comandas faz com que os seguranças, até então sem saber o que
estava acontecendo, impeçam a saída das pessoas. Há apenas uma saída no prédio.
A fumaça tóxica da espuma para isolamento acústico matou
muito mais rápido que o fogo. Havia cianeto no material da espuma, substância
altamente tóxica. 241 jovens morreram na tragédia. Desses 234 infectados com a
fumaça.
A autora nos transporta para essa noite de horror e
desespero. Ao banheiro da Kiss, onde cerca de 180 corpos foram encontrados, o
lugar de maior procura por uma saída mais fácil que a entrada; Ao ginásio, onde
pais foram buscar seus filhos mortos e celulares não paravam de apitar as
chamadas das mães; aos hospitais, onde médicos dobravam turnos e mais turnos
sem medir esforços e um pai atendia o próprio filho vítima do incêndio.
Digerir todas as informações conforme a leitura vai
acontecendo é difícil. O livro nos faz imaginar a dor dos envolvidos, o
sentimento de confusão que se instalou na mente de todos os jovens naquela
noite. O pânico ao perceber o que estava de fato acontecendo. Mas, acima de
tudo, a tristeza pela impunidade dos responsáveis. O crime, até hoje, segue
impune.
Há meses finalizei a leitura dessa obra, mas até então não
consegui reunir palavras para escrever uma resenha. Difícil. Foi um livro
emocionante, pesado e triste. É impossível se quer imaginar a dor das famílias,
amigos e vítimas.
Chorei em muitos momentos, lá em 2013 quando vi as notícias
em tempo real e agora, voltando ao passado e encarando o futuro por meio das
páginas. A história daquelas pessoas não terminou, ela vive nas memórias dos
conhecidos e nas ruas de Santa Maria.
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